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VIDA DE FORMIGA

16/03/2021

Você certamente conhece a fábula A Cigarra e a Formiga, atribuída a Esopo e recontada pelo francês Jean de La Fontaine. Por meio dela somos levados a concluir que a formiga é a trabalhadora da história, um modelo a ser seguido por todos. E que a cigarra, por outro lado, é irresponsável – afinal, ela perdeu tempo cantando e não se preparou para o futuro, ou seja, para o inverno que se aproximava.

 

Eu também pensava assim. Porém, recentemente, em uma imersão na cultura judaica, por ocasião de uma jornada técnica realizada em novembro de 2019 em Israel, fui confrontada com outra realidade, um tanto quanto desconcertante. Circula ali um ditado judaico, aclarado pelo rabino brasileiro Nilton Bonder, que afirma o seguinte: o trabalho mais inútil é o da formiga, pois ela acumula sem necessidade, já que precisa apenas de dois grãos de trigo para sobreviver durante o inverno.

 

Então, dizem os judeus, por que acumular tanto? A resposta vem em seguida: porque elas não sabem fazer outra coisa, nasceram formigas e só sabem trabalhar para acumular.

 

A questão é tão relevante na cultura que, revendo a animação Vida de Inseto, dos estúdios Disney, percebemos que a personagem principal, Flik, investia seu tempo buscando alternativas mais inteligentes para a comunidade. Essa, por sua vez, o tachava de preguiçoso, lunático, sonhador e não hesitou em enviá-lo em uma missão impossível, para que lá perecesse. Claro que, ao final, como as demais produções com o selo Disney, há uma bela reviravolta. Mas a reflexão permanece: agimos como formigas? Estocamos indefinidamente, sem planejamento, nos sujeitando às pressões externas e internas?

 

Na tradição judaica, todo o tempo excedente ao gasto com a sobrevivência deve ser investido em estudo. Estudo de quê? Principalmente de nós mesmos. Há, ainda, a ideia de que a partilha gera maior crescimento, pois a geração anterior auxilia a próxima.

 

Ao longo dos 15 dias em que estive lá, viajando pelo país, observei a ausência do consumismo exacerbado que existe no Brasil, onde se copia o modelo americano. Nada de lojas de grife (nem em Shopping Centers), nada de carros importados andando pelas ruas. Ao contrário, em visitas às universidades, constatei o grande investimento público e privado no setor acadêmico e nas startups ali presentes.

 

Como seres humanos, não somos formigas para estocar sem planejamento, com excesso e ausência de necessidade, mas também não somos cigarras para sairmos cantando pelas redes sociais nossas baladas, viagens, êxitos e diversões.

 

Somos seres humanos, somos os únicos que possuem o livre arbítrio para sermos o que quisermos, inclusive várias versões de nós mesmos ao longo da vida – cada vez mais longeva em razão dos avanços da medicina.

 

Artigo publicado em: 16/03/2021

Site: www.opopular.com.br

Melina Lobo
Conselheira de Administração e Consultiva de Empresas

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